O hinduismo é tão rico e
tão variadas são suas manifestações que a gente quase poderia dizer que são...
muitos! A religião de 80% dos hindus é tão cheia de cores, de símbolos, de
histórias, de imagens, que já foi comparada a uma floresta tropical exuberante,
onde as memórias ancestrais se misturam em infindáveis camadas à experiência
cotidiana dos rituais religiosos.
E talvez porque sejam
tantos os deuses desta religião cujas raízes a gente encontra vagamente em
algum momento por volta de 1500 aC, a festa parece não ter fim... e algumas
duram mais de uma semana!
É o caso de um dos deuses
favoritos dos hindus e, com certeza, a mais simpática das criaturas alimentadas
da imaginação humana: Ganesh, o gorducho deus meio menino, meio elefante, de
muitos braços e que chega cavalgando... um ratinho! Ganesh Chaturthi, o
festival de Ganesh acontece todos os anos no quarto dia da Lua Cheia de
Bhadrapada, que para nós acaba coincidindo com o mês de setembro... e são dez
dias de festa nas ruas da Índia!
Cabeça de elefante? Por
quê? São muitas as histórias que contam como Ganesh perdeu sua cabeça. Eu adoro
a que está no livro Ka, de Roberto Calasso. Lá estava Parvati, a bela
"filha das montanhas" esposa de Shiva, o deus dançarino que cria e
destrói o universo. E estava só no leito que compartilhava com o marido. Por
que ele havia de deixá-la para amar outros seres, criar ou destruir outros
aspectos do mundo? E disse: "Vou ter um filho, por capricho".
Lentamente passou pelo
corpo um óleo perfumado, misturando-o ao suor, às escaras da pele. Com raiva
passava as palmas da mão no ventre, nas pernas, nos seios. Quase se arranhava,
para não perder o mínimo de resíduo. Colheu um grumo de matéria, do qual nasceu
Ganesh.
Siva estava contrariado
e, certo dia, vendo Ganesh barrar a entrada do quarto de sua mãe, decepou-lhe a
cabeça com fúria. Imediatamente, diante de Parvati emudecida de dor, ele deu-se
conta do afeto que tinha pelo menino. E convocou seus "ganas" para
que fossem atrás da cabeça de Airavata, o elefante do deus Indra. E voltaram
com ela, depois de uma grande luta, na qual uma das presas do animal
quebrou-se. Siva então, com cuidado de artesão, moldou a cabeça do velho e
sábio elefante no corpo de Ganesh. E ordenou que dali em diante, ele fosse
invocado antes do início de qualquer empreendimento humano.
Parvati acompanhava tudo
com o olhar dulcíssimo. Sabia com quanta perspicácia Shiva realizava a delicada
operação. E, subitamente, pensou que só agora seu filho seria verdadeiramente
ele mesmo. Desde esse dia, não teve mais medo da solidão.
Foi para ele que
ela ditou todas as histórias do mundo (o Mahabharata). E ele escrevia,
escrevia, agachado a seus pés...
Quer época mais linda
para reverenciar o deus dos inícios do que esse finzinho de inverno já com as
cores da primavera?
E se realmente quiser
entrar no clima da festa, prepare um doce. Um pudim, por exemplo. Saboreie
pensando em Ganesh. Este deus gorducho carrega na enorme barriga todas as dores
dos homens e na mão estendida oferece um modaka, para lembrar que o caminho
espiritual é árduo, mas é muito, muito doce...
Ganapathi Bappa Morya,
Purchya Varshi Laukariya (Ó senhor Ganesha, venha de novo até nós, bem cedo, no
ano que vem!)